Os meteoros Interestelares, onde eles estão?
Como um estudioso do assunto já ha alguns anos, inclusive apresentando trabalhos em congressos científicos da área, resolvi escrever essas linhas para mostrar pontos importantes sobre esse tema que já esta debate ha algumas décadas. Os meteoros de origem de fora de nosso Sistema Solar , tamb conhecidos como interestelares veio novamente a tona apos a chegada de visitantes de fora de sistema planetário, primeiro foi o objeto conhecido como Oummumua, um asteroide peculiar e , dois anos depois, entrou em nosso casa solar o cometa Borisov , apresentando índices de moléculas acima do esperado para objetos solares desse tipo . Em 2018, apresentei um trabalho sobre este tema, no XXX congresso da IAU 2018, um pouco depois da descoberta do Oummumua, (por sorte eu já vinha trabalhando nisso fazia poucos meses antes da descoberta dele).
Neste ponto gostaria de apresentar alguns fatos importantes sobre a possibilidade de certos meteoros serem de sistemas de estrelas próximas, ou de nuvens de poeira interestelares, isto de fato já foi detectado e ocorre diariamente, sim a poeira interestelar e atravessada o tempo inteiro pelo nosso sistemas solar em seu caminho em torno da Via Lactea, fazendo um giro completo a cada aproximadamente 200 milhões de anos.
Deixa eu escrever um pouco sobre a poeira interestelar, ela atravessa nosso sistema planetário vindo de uma zona conhecida como LIC., em geral tem o diminuto tamanho de 0.1 micrômetros variando ate 1-2 micrometross, mas devido a um incomensurável “filtro” ,se podemos dizer assim, conhecido como heliosfera, muitos desses graos acabam sendo desviados de nosso Sistema Solar, porque basicamente essa esfera de plasma envolvendo nosso sistema, tem propriedades magnéticas suficientes para interagir com os pequeninos grãos de poeira interestelares, principalmente, devido ao um fenômeno elétrico conhecido como efeito Lorentz. Temos uma barreira gigante que não deixa grãos muito pequenos atravessarem nossas vizinhanças internas, mas graos maiores , entre 1 a 2 micrômetros, conseguem atravessar esta grande barreira , e percorrem os espaços entre planetas bem e acabam penetrando nas suas atmosferas, como a nossa Terra , radares especiais detectam esses fluxos constantes, entrando. Então, matéria interestelar em nossas redondezas já não ẽ algo novo, Notável será a detecção de grandes objetos , coisas da ordem de metros ate quilômetros vindos de fora do nosso sistema solar.
Então, o proposito de certas pesquisas de meteoros seria identificar tais objetos que vão de cm a 100 vezes maiores, e o primeiro passo dado foi tentar identificar se meteoros registrados poderiam ter orbitas que mostrassem serem viajantes de fora do Sistema Solar. Esta pesquisa já vem ocorrendo ha muitas tempo, principalmente pelos esforços da pesquisadora Maria Hajduckova que vem investigando a existência desses meteoros atípicos. Ate hoje nada definitivo foi comprovado, mas alguns trabalhos procuram afirmar que já foram detectados meteoros interestelares, como em https://arxiv.org/abs/2209.09905 .
infelizmente, temos muitas detecções de objetos com orbitas hiperbólicas, mas de baixíssima chance de serem de fora daqui e ainda mesmo se os seus registros são reais pois ate hoje eles podemo ser explicados como problemas de medição consistindo de mero erro de calculo, vou explicar abaixo como e~ isso.
Em primeiro lugar, vamos diferenciar as orbitas, sabemos que elas podem ser circulares, elípticas, parabólicas e hiperbólicas,assim de modo geral, podemos dizer que os corpos solares, como meteoroides ,asteroides, cometas , planetas, estão girando em orbitas quase circulares, elipticas e quando vem de bem longe, dos confins da nuvem de Oort, podem apresentar trajetórias parabólicas. Dizemos que esses corpos estão ligados gravitacionalmente em nosso Sistema Solar, eles são nossos “conterrâneos”. Mas, uma pequena parcela destes objetos solares podem apresentar a orbita hiperbólica, que e uma orbita não ligada e portanto podem escapar dos forcas gravitacionais solares. A partir dessa definição de uma orbita hiperboloide, devemos ter mais cuidado, pois podemos ter um objeto de orbita hiperbólica de origem solar , pois devido a pertubações gravitacionais e efeitos nao-gravitacionais, como pressão de radiação e colisões, elas acabam mudando a sua forma de orbita originalmente ligada. Mas não paramos por aqui, também podemos ter objetos de origem hiperbólica extrassolar que acabam sendo capturados gravitacionalmente tornando-se um habitante permanente de nosso sistema.
Então o leitor pode notar que a tarefa não e tao simples como se poderia imaginar, encontrar um meteoroide extrassolar , não e algo trivial, e pra complicar ainda temos de enfrentar os erros de medição dos instrumentos que registram e dos softwares que calculam orbitas dos meteoros, vamos dar uma rápida pausa e falar um pouco sobre como se faz o registro e calculo de orbitas de meteoros e suas chuvas, para melhor contextualizar esse assunto.
O estudo de meteoros e algo já centenário, começou praticamente com os lendários estudos de . Harvard, e hoje culmina em varias redes de detecção de meteoros, de maioria esmagadora, iniciativas de aficionados, amadores, usa-se equipamento de baixo custo, uma câmera de vigilância modificada e softwares de fácil manuseio, para ser amigável ao publico não técnico, softwares como Metrec e UFO, são muito usados na Europa, Brasil e Japão, em menor escala o pacote CAMS e o recente programa da GMN, esses dois últimos um pouco mais sofisticados.
As câmeras usam sensores de 1/3″ ou 1/2″ e as lentes de distancia focal muito curta, gerando campos angulares largos que em geral vai de 60 a 100 graus, ai começa o conhecido problema da resolução das imagens, pois quanto maior o campo angular , maiores são as distorções devido a lente e o tamanho do sensor, o que atrapalha a astrometria ( calculo da posição dos astros e do alvo), gerando erros consideráveis, mas para o estudo geral de chuvas de meteoros e bólidos, eles dão conta bem. Entretanto quando entramos no reino dos meteoros hiperbólicos a estória complica, pois nos registros usuais dessas câmeras com as usuais lentes, e os softwares de analise empregados os erros já são consideráveis e não se prestam para um analise cientifica mais profunda, conforme comprovado em diversos trabalhos sobre esse assunto.
No recente trabalho de Maria Hajduckova et al (2020) fica bem claro a falta de instrumentação adequada para a identificação de meteoros interestelares reais, vamos, agora explicar de forma mais detida, o que quero dizer com o adjetivo “reais”, pois em todos os bancos de dados de praticamente todas as redes de registro de meteoros, inclusive a que atualmente coordeno no Brasil (projeto exoss.org) usualmente apresentam uma pequena parcela de suas orbitas constituindo-se de meteoros com orbitas hiperbólicas com alguns apresentando características interestelares. Então já temos registros definitivos desse meteoroides interestelares? Nao!
Como afirmei antes, problemas de instrumentação de baixa resolução e softwares nao adequados para esse tipo de objeto extrassolar e a pedra de sapato que temos de enfrentar. Além disso ,não basta apenas a analise realizada constatar as características de um orbita hiperbólica de possível origem interestelar, devemos fazer um calculo de integração numérica orbital para o passado dele, e verificar por onde ele passou, se teve encontros próximos com planetas, principalmente Júpiter e Saturno e se veio de zonas além de Plutão. A coisa realmente começa a complicar em escala. Pois devemos considerar vários aspectos do registro do meteoro em estudo.
Primeiro aspecto, qual tipo de câmera e lente usada, pois se o respectivo campo angular das imagens envolvidas forem maiores que 40, 50 graus a astrometria ja fica mais tortuosa para se alcançar uma precisão suficiente para calcular velocidades com erros da ordem de 0.1 km/seg a posição do radiante de onde ele veio, em coordenadas equatoriais, RA e dec, nao seja maior que 0.1 graus. Isso gera problemas ao final pois a barra de erro da velocidade Heliocêntrica pode estar em torno do limite parabólico, V = 42.2 km/seg, ai não podemos afirmar se verdadeiramente o objeto tinha uma trajetória original hiperbólica e sequer interestelar.
Segundo aspecto, o tamanho da trajetória medida, caso de trajetórias curtas 100 , 250 km, por exemplo não se prestam a analise de meteoros hiperbólicos interestelares verdadeiros, pois precisamos de uma trajetória bem longa, algo em torno de 500 km ou mais, para se ter a possibilidade de capturar o efeito do ligeiro curvamento da trajeorria devido a gravidade terrestre, enquanto dentro da atmosfera, e isso e um problema, nos softwares atuais eles não estão preparados para analisar trajetórias tao longas, em geral esses softwares vão bem em trajetórias de 100km, o que e’ a media geral de meteoro comum, depois disso começam haver problemas de calculo de velocidade e desaceleração, o que e crucial para uma analise especifica como aqui em tela.
Terceiro aspecto, o tipo de qualidade aplicada aos parâmetros de controle de calculo quando se faz a analise das triangulações das imagens para gerar as orbitas, em diversos artigos se comprovou que quando se aplicava parâmetros mais rígidos nesses cálculos, simplesmente os meteoros hiperbólicos desapareciam do banco de dados, um caso tipico foi do observatório da republica tcheca que usando critérios rigorosos de analise , não registrou sequer um meteoro hiperbólico. Mas isso também não quer dizer que se pode ter feito um registro, mas que cientificamente não se pode comprová-los.
Quarto aspecto, redes de observação de meteoros tradicionais com a Edmond, CAMS, SONOTACO, sempre geram registros de hiperbólicos da ordem de 5 a 10 % da totalidade de suas orbitas, depois que são analisados de forma mais detida, são descartados ou ao menos postos em duvida, devido ao erro envolvido. Se não temos orbitas de meteoros hiperbólicas de verdade não podemos ter também nenhuma de origem interestelar, uma coisa leva a outra.
Derradeiro e ultimo ponto,, de tudo acima descrito, mostrando de forma concreta pode-se demonstrar que mesmo um objeto que apresente um velocidade de escape tipica , nas proximidades da região da Terra, de 45.6 km/seg, isso não valida que ele seja de origem extrassolar, pelo simples motivo que pode ser devido a erro de medição, ou pode ser de origem solar mas sofreu pertubação, que fez sua velocidade aumentar muito.
Um ponto importante a considerar e não fazer confusão em meteoro longo, rasante , hiperbólico e interestelar (extrassolar), são todos conceitos independentes. Meteoro longo, e~ um rotulo genérico que apenas quer dizer que o meteoroide teve uma trajetória longa, algo em geral acima de 100- 200 km, o rasante quer dizer que ele entrou na atmosfera a um altura considerável e conseguiu retornar ao espaço profundo, ele pode ter uma trajetória longa ou não, onde sua altura inicial eh menor que a altura final (ele foi embora), só podemos afirmar sobre um meteor rasante se tivermos vários pontos de sua trajetória registrados principalmente na parte de sua subida em retorno ao espaço. Um meteoro mesmo longo, registrado somente na parte da descida fica difícil de se obter uma analise confiável, pois o trecho do caminho percorrido e~ pequeno para se aferir melhores conclusões.
Os hiperbólicos apresentam excentricidade maior que 1 e velocidades heliocêntricas maiores que 45.6 km/seg, os de tipo interestelar só podem ser comprovados se a sua velocidade – descontados os erros – , não coincidirem com o limite parabólico que e de 42.2 km/seg. Pois estando uma velocidade calculada perto desse valor, devido aos erros, pode facilmente passar de um regime de orbita elíptica Veloc Heliocêntrica < 42.2 km;seg) e cair no regime hiperbólico (Veloc Heliocentrica > 42.2 km;seg). Exatamente isso que acontece com todos os meteoros hiperbólicos registrados ate hoje, com pouquíssimas exceções, devido a duvidas de confirmação quanto a acurácia da medida.
Finalmente, mesmo que o meteoro registrado seja verdadeiramente hiperbólico, e tipicamente rasante, com erros de medida compatíveis com o estudo do objeto (velocidades e posição), sem o calculo da trajetória orbital para trás no tempo, no sentido de verificar que ele não era originalmente elíptico e devido a pertubações de ordem gravitacionais e efeitos não conservativos, como por exemplo pressão de radiação solar ele se tronou hiperbólico, fica questionável se comprovar em definitivo sua origem de fora de nosso Sistema Solar.
Por Marcelo De Cicco
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