A conexão entre NEAs e os Meteoritos Terrestres

Asteroid_Belt_Around_Sun_Sized_StarIntrodução

Uma extensa população de pequenos corpos, incluindo cometas, pequenos asteroides e meteoroides compõem o grupo dos NEOS (Near Earth Objects). Os NEAs (Near Earth Asteroids) constituem-se de uma grande parcela desses objetos de dimensões acima de dezenas de metros, próximos a Terra. Alguns estudos apontam também, que uma pequena parte dos NEAs são cometas adormecidos ou extintos (NECs – Near Earth Comets). A fauna do NEOs abrange, por conseguinte, uma ampla gama de propriedades dinâmicas e físicas, que iremos explorar ao longo desse texto.

A média de existência de um NEO na região é da ordem de milhões de anos (Mommert et al. 2015), sendo portanto creditada a existência de fontes de abastecimento de tais objetos ao longo das eras, pois conforme o tempo de existência de nosso Sistema Solar gira em torno de 4,6 bilhões de anos, já não haveria mais nenhuma probabilidade de haver tais corpos nas proximidades da Terra.

No que diz respeito a meteoritos que caem na Terra, sua fonte principal são os NEAs, pela sua proximidade ao nosso planeta, embora o grande fluxo de massa de meteoroides (“meteoroids streams”) origina-se de passagens de cometas, e em menor grau de impactos lunares e marcianos. Grande parte desta massa que penetra na esfera terrestre queima logo na alta atmosfera (entre 100 a 60 km de altura, em média), sendo, comparativamente, raras as amostras destes detritos que sobrevivem as altas temperaturas de ablação , e chegam em solo terrestre na forma de meteoritos, embora grande parte acabe por se depositar no mar.

Mas, para compreendermos a ligação entre NEAs e meteoritos é fundamental entender o papel dos asteroides, pois eles são peça importante para se entender as origens, estrutura e a história dinâmica do Sistema Solar. Assim, estabelecendo as conexões entre meteoritos e os asteroides, estes na qualidade de corpos parentais, permitirão a elucidação de muitas questões pertinentes a compreensão de nosso Sistema Solar, bem com a formação da Terra.

A seguir, vamos falar sobre a distinção entre asteroides e cometas próximos a Terra, mostrando que grande parcela de NEOS, de dimensões acima de dezenas de metros compõe-se de NEAs.

Os NEAs e NECs

Os NEAs são considerados a principal fonte de meteoritos terrestres, dado que são os corpos mais próximos ao nosso planeta com características mais próximas aos meteoritos do tipo condríticos, o tipo mais comum presente nas diversas coleções.

Os NEAs são pequenos corpos com periélio q em torno de 1,3 U.A. e distância de afélio Q de 0,983 U.A., cujas órbitas aproximem-se ou interceptem a órbita da Terra. Dividem-se basicamente em 3 grupos dinâmicos: Amor, Apolo e Atenas. Os do tipo Amor, tem a ≥ 1 U.A e 1,017 U.A. ≤ q ≤ 1,3 U.A.; os da classe Apolo possuem a > 1 U.A. e q ≤ 1,017 U.A.; e os do tipo Atenas a < 1 U.A e Q > 0,983 U.A.

Os NEAs tipo Atenas, por conta de seu eixo-maior ser menor que a unidade astronômica, e curto perido orbital, passa a maior parte do tempo envolvido pela luz do Sol, portanto são mais difíceis de observação. Seu diâmetro em média é menor que 3 km, cerca de 300 desse tipo já estão caracterizados.

Os NEAs tipo Apolo, conhecidos também como cruzadores da Terra, pois tem seu semi-eixo maior que U.A., e Q > 0,983 U.A., de dimensões menores que 10 km, sendo conhecidos em torno de 1.600 desses objetos, a maioria deles tem sua origem em ejeções gravitacionais do cinturão de asteroides por conta de interações com o planeta Júpiter.

Os NEAs tipo Amor tem suas orbitas entre a Terra e Marte, com semi-eixo maior que 1 U.A. e 1,016 < q < 1,3 U.A, embora não cruzem a órbita terrestre, perpassam a do planeta Marte, são catalogados cerca de 1.500 dessa classe, muitos encontros próximos com a Terra e Marte podem leva-los a evoluir e tornarem-se do tipo Apolo.

A vida  de um NEA na região gira em torno de 10 milhões de anos, portanto muito inferior ao tempo de existência de nosso Sistema Solar – cerca de 4,6 bilhões de anos. Estima-se, então, que as regiões de ressonância 3:1, v6, e 5:2  e partes mais internas do cinturão principal sejam as principais fontes de reposição destes objetos nas proximidades da Terra.

Em termos de classificação taxionômica, a população de NEAs mostram uma grande diversidade de categorias, praticamente a mesma diversidade encontrada no cinturão principal. A seguir, mostramos tabela resumo das principais classificações, descrita no artigo de Rukmini et al. (2016), conforme o tipo de NEA:

table 3Figura1: Tabela representativa da taxionomia de NEAS baseada em espectroscopia e fotometria (Rukmini et al. 2016).

É importante ressaltar que atualmente são registrados cerca de 700.000 asteroides do cinturão principal, com órbitas definidas, incluindo-se cerca de 100.000 destes objetos com medidas e análises de composição de superfície. Com relação aos NEAs, até a data de 08.08.2016, conforme o sítio: http://neo.jpl.nasa.gov/stats, declara, estão catalogados 14.616 objetos.

Os NECs são considerados cometas de curto período, P ≤ 20 anos, com vida útil em torno de 12 mil anos, e são identificados através de critérios dinâmicos e físicos. A importância na distinção entre NEAs e NECs consiste no fato de que cometas dormentes também impactaram a Terra contribuindo para água e material orgânico, além de contribuírem para a reposição de NEAs, já que quando cessam a sua atividade tornam-se indistinguíveis de objetos do tipo asteroidal, por apresentarem baixo albedo geométrico.

Portanto estudar a fração de NECs dentre os NEAs é importante para entender a evolução do Sistema Solar e do planeta Terra. Além disso, eles podem se quebrar em varias partes, como exemplo C/2012 S1 (ISON) , sendo, em alguma medida, possíveis fonte de meteoritos também.OBSERVACAO DE NEOS

Fontes de fluxos de meteoroides Terrestres 

Um dos principais efeitos de fluxo de meteoroides é chamada chuva de meteoros que atingem periodicamente a Terra. São duas fontes principais de meteoroides no Sistema Solar interno: asteroides e cometas, e, em bem menor escala, detritos de impactos na Lua e em Marte. As chuvas acontecem quando o número de meteoros observados ultrapassa a média de fundo de fluxo de massa usual penetrando na Terra.

A conexão entre o fluxo de meteoróides e cometas já é bem estabelecida desde o sec. XIX, principalmente após os cálculos do astrônomo Schiaparelli que estabeleceu uma ligação entre as chuvas Perseidas e o cometa 1862 III e as chuvas Leonideas e o cometa 1862 I. Vindo a ser tal hipótese amplamente confirmada por Fred Whipple em 1951, depois de publicar os resultados do primeiro survey de observação fotográfica de meteoros pareados.

As chuvas de meteoros têm sua origem num lugar denominado de radiante, e isto implica que os meteoróides dessas chuvas possuem orbitas heliocêntricas similares, portanto, determinando-se os elementos orbitais das chuvas, possibilita-se um bom indicativo da origem parental dos meteoroides. Os processos que levam a asteroides dar origem a chuvas são os seguintes: (a) colisões catastróficas, em geral ocasionadas em famílias de asteroides. Porém tais eventos são raros, e as chuvas originadas dessa forma já seriam extintas há muitos éons, (a exceção do objeto P/2010 A2, provavelmente originado de colisão entre dois asteroides, que poderia dar origem a uma chuva); (b) Forças de maré agindo em regolitos de asteróides que fazem encontros próximos com planetas e (c) o efeito YORP.

No que diz respeito a conexão dinâmica entre uma chuva e seu corpo parental, Jopek, em seu artigo “Meteoroid streams and their parent bodies” (2011), indica os seguintes critérios para se determinar a ligação entre uma chuva e algum corpo parental, são eles: (a) distância, (b) threshold de similaridade, (c) análise de cluster. A partir da aplicação desses critérios o trabalho de Jopek (2011) aponta uma associação dos NEAs com o chamado complexo das Taurídeas, e a existência dos grupos cometários e asteroidais.

O critério da distância Dsh , ou critério- D, aplica uma função de distância , baseada em 5 elementos orbitais: e – excentricidade, q – periélio, w – argumento do periastro, – longitude do nodo ascendente. Ressaltamos que este critério possui algumas variações em seus elementos, definida por diversos autores da área como, Steel, Asher, Valsecchi, Jenniskens e Jopek, dentre outros.

O valor de threshold de similaridade, é um valor pre-determinado para ser aplicado no critério –D. A análise de cluster envolve o uso de diversos métodos estatísticos, neste caso a literatura não define qual o melhor método. Portanto o uso de critérios, acima elencados ainda sofre com problemas em aberto (Jopek, 2011): Qual o melhor método de análise de cluster? Qual valor ideal de threshold? Quais parâmetros orbitais mais indicados ao problema?

Atualmente são conhecidas as seguintes associações entre chuvas e NEAs:

  • Geminideas e o asteróide 3200 Phaeton.
  • Associações de diversos NEAs com o complexo das Taurídeas: cerca de 1340 NEAs, os maiores são 2101 Adonis, 2201 Oljato,2212 Hephaistos, 4183 Cuno, 4341 Poseidon e 4486 Mithra;
  • Associação entre as Quadrantídeas e o NEA 2003 EH1.

A importância do estudo da conexão entre meteoritos e NEAs

names of rocks in space

A pesquisa sobre asteroides é fundamental para o entendimento das origens, estruturas e história dinâmica do nosso Sistema Solar

À partir dos anos 70 a ligação entre os meteoritos e asteroides foi sendo sedimentada graças a diversas técnicas observacionais e desenvolvimento de modelos dinâmicos e análise de amostras retornadas de missões espaciais.

A importância do estudo de meteoritos encaixa-se nas pesquisas também das origens do Sistema Solar pela facilidade de alcançar informações sobre os bloco primevos de formação planetária, já que existem diversos tipos de meteoritos, verdadeiros fósseis da época de formação, de diferentes locais e eras.

Mas um ponto fraco sobre a análise de meteoritos consiste no fato de que não é possível saber a origem dos mesmos. Embora possamos datar amostras, desvendando sua estória dinâmica, não é possível determinar onde os eventos de formação ocorreram.

Os estudos modernos indicam que os meteoritos que caem na Terra originam-se de asteroides e somente uma pequena fração vem da Lua, Marte e cometas. Assim, a determinação da conexão entre meteoritos e asteroides, traduzida na descoberta de seu corpo parental, pode ajudar a responder as seguintes questões:

  • Que tipo de processos dinâmicos agiram no inicio do SS?
  • Que tipo de processo de aquecimento foram determinantes para a diferenciação de meteoritos?
  • Que tipo de fontes de materiais, nos asteroides podem ser economicamente explorados, ou usados para sustentar vida humana fora do planeta?
  • Que tipo de ameaça de impactos na Terra podem ocorrer? A composição e estruturas de asteroides podem determinar a estratégia de mitigação mais efetiva.

Assim, estudar quando, onde, e como os meteoritos evoluíram antes de impactar a Terra pode ajudar a elucidar as questões enumeradas acima.

As principais técnicas aplicadas na análise de asteroides são as seguintes:

  • Interação gravitacional
  • Ocultação estelar
  • Imagem de radar
  • Polarimetria
  • Curvas de luz
  • Observações térmicas

As técnicas descritas acima permitem inferir propriedades como: tamanho, densidade, textura superficial, presença de regolitos, taxas de rotação e porosidade. As análises de estruturas internas são as mais complexas de serem realizadas.

Com o desenvolvimento de taxionomias de cores e tipos espectrais seguindo a diversidade mineralógica e composição, com ajuda de técnicas de analise de espectro, radares, fotometria possibilitaram o avanço na compreensão da forma, tamanhos, rotação e formação.

O monitoramento de bólidos por câmeras permite calcular órbitas de meteoros, e quando previamente já se sabe que haverá a entrada na atmosfera, é também uma oportunidade rara de não só se determinar a trajetória orbital pré e pós impacto, como recuperar meteoritos em caso de sobrevida da fragmentação, como é o caso do asteroide 2008 TC3. O nosso projeto Exoss encaixa-se dentro desta perspectiva.

Veja também: você sabe como é feito o estudo de meteoros?

 

Assim, conhecer uma amostra direta de um asteroide, ou no foco deste trabalho um NEA é o caso ideal, porém até a presente data somente uma dezena de meteoritos possuem sua origem parental determinada, resta, ainda portanto, muito a desvendar em relação a grande quantidade de meteoritos guardados em coleções.

Como exemplo de confirmação de conexão entre meteoritos e asteroides, um bom exemplo é o do asteroide 25143 Itokawa, como tendo em sua composição similaridades com meteoritos tipo contritos LL ordinários – a missão Hayabusa contemplou a confirmação desta hipótese, quando retornou amostras de sua superfície.

Porém, mesmo as milhares de amostras de meteoritos coletadas em solo, não são representativas da diversidade composicional do asteroides do cinturão principal, devido a viés dos efeitos de seleção associados a mecanismos de entrega de meteoritos do cinturão à Terra. O fator complicador é que os meteoritos provindos daquela região, antes de impactar , passam por diversos processos multiescalados, com diversos vieses. Outro fator complicador é a natureza dinâmica do cinturão, pois muitos efeitos ocorrem, como: impactos entre asteroides, perturbações orbitais, Ventos Solares, bombardeio de raios cósmicos, variações de temperaturas.

Portanto, a combinação de observações aliada a modelagem de evolução orbital, modificações de superfície, e informações sobre ejeção de meteoroides e tempo de exposição ao space weathering, vão paulatinamente construindo uma conexão entre os asteroides e meteoritos terrestres.

Conforme o estudo de asteroides evoluiu, hoje em dia, muitos destes são bem caracterizados, porém não há amostras de meteoritos representativos de todos os asteroides do cinturão.

Mesmo assim, diante de um cenário pouco elucidativo da ligação entre os meteoritos conhecidos, existem já alguma conexões bem claras entre asteroides e meteoritos, conforme descrevemos, a seguir:

  • 4 Vesta -> meteoritos tipo howerdite – eucrite – diogenite (HED), conclusões após a descoberta dos vestóides e o caminho através de ressonâncias desse objetos. A sonda Dawn confirmou essa conexão.
  • Itokawa -> meteoritos tipo condritos ordinários tipo LL, confirmado pela missão Hayabusa

Outras conexões ainda em estudos:

  • Asteroides do grupo E, são brilhantes, sem muita estrutura no espectro, devem possuir estruturas de absorção provavelmente associadas ao mineral Oldamita (CaS) – Meteoritos do tipo Auberita acondritos satisfazem esse critério. Ex.: Asteróide “Stein” possui albedo alto que demonstra um componente de absorção do tipo Oldamita.
  • Asteroides do tipo A e meteoritos ricos em olivinas, como os braquinitas e palasitas, a ligação é estabelecida pelo espectro de absorção das estruturas do tipo ferroso “iron-bearing olivine”.
  • Asteroides classe D e o meteorito “Tagish Lake”, ambos possuem espectro de reflexão muito escuro na região do visível, tornando –se mais claros na região do Near-infrared e não possuem nenhuma banda de absorção no seu espectro de reflexão.
  • Asteroides da classe C, por não possuírem estruturas espectrais, talvez eles possam abranger múltiplos tipos de meteoritos, englobando composicionalmente objetos diversos.

Existem inúmeros casos de asteroides sem nenhuma conexão plausível com algum tipo de meteorito, pois possuem baixo albedos e espectros sem estruturas, dado a impossibilidades observacionais. Alguns asteroides possuem absorção ferrosa “iron-bearing spinal”, e embora o espinélio seja encontrado em uma grande variedade de condritos carbonáceos, a mineralogia desses asteroides não encontra minimamente um paralelo em qualquer meteorito conhecido.

Como o meio espacial pode alterar substancialmente as propriedades óticas dos Asteroides, tem-se outro fator complicador sobre o estudo de conexão entre asteroides e meteoritos. Efeitos do space weathering, como: devolatilização, dissecação, vento solar, sputtering, radiação, micrometeoritos, ciclos termais, alteram as estruturas de banda de espectro, tornado mais complexa a identificação de características de composição do asteroide.

Processos no interior também podem alterar as estruturas em asteroides, como alterações aquosas e aquecimento, abalos sísmicos por impacto, movimentos rotacionais induzidos no equador e forças de maré durante encontros próximos.

Vale dizer que algumas propriedades não são afetadas pelo space weathering, como a razão piroxênio/olivina, composição de silicatos máficos, tais características podem ser usadas para discriminar os condritos ordinários, de primitivos ou acondritos diferenciados.

Finalmente, a par das complexidades, expostas nos parágrafos anteriores, em se estabelecer uma ligação entre asteroides e meteoritos, o estudo das conexões podem ajudar a responder questões como:

  • Qual o modelo de evolução do SS melhor se enquadra na composição geral do cinturão dos asteroides?
  • O cinturão poderia fornecer todo o material necessário para a formação dos planetas terrestres?
  • Onde atualmente estão os blocos de construção restantes da formação dos planetas terrestres?
  • Como se dá a evolução do cinturão para gerar cruzadores da Terra?
  • Quais as similaridades e diferenças entre asteroides do cinturão e os NEAs?
  • Que processos tem afetado os asteroides desde a sua formação?

O estudo da ligação entre um corpo asteroidal como um NEA, e um meteorito, ajudará no esclarecimento de várias questões pertinentes ao estudo das origens de nosso Sistema Solar e da própria Terra. Algumas dessas conexões já estão definidas, como a ligação do Asteróide Vesta e meteoritos tipo HED e asteroides do tipo Itokawa e meteoritos condritos tipo L.

Edição: Marcelo De Cicco

O projeto Exoss Ciência Cidadã é uma rede colaborativa com a participação de universidades e institutos de pesquisa no Brasil e no exterior, e com voluntários cidadãos como você, que também pode participar e ajudar a ciência brasileira.

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